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  • 18 de jan. de 2023

Estou lendo um livro seu agora, um livro que você já tinha lido bem antes de nos conhecermos, um livro cheio de marcações. Estou gostando do livro, mas gosto ainda mais das marcações.

De alguma forma, me sinto tão próximo a você quando vejo uma marcação. Você marcou quando achou engraçado, quando achou triste ou quando uma frase te impactou. Lendo agora, eu entendo o que você sentiu quando lia aquele trecho e, de alguma forma bizarra, parece me ajudar a entender o que você sente agora.

Entender suas motivações para as marcações é algo que está me animando muito nesse novo livro! O que a jovem você sentiu naquele trecho? Por que você se sentiu tocada com aquela história? Me conta, meu amor, me conta o que estava na sua cabeça, o que está na sua cabeça, o que estará na sua cabeça...

Me sinto lendo um diário, uma parte muito íntima sobre você, seus sentimentos frente a uma história, frente ao mundo que nos cerca. Me sinto uma mosquinha te espiando pela fechadura da porta nos seus momentos solitários, nos seus pensamentos só seus.

Então me conta, como isso termina para a leitora? Ela termina bem no final dessa história? Ela sobrevive? Ela fica com o mocinho? Ela está feliz?

- Muito prazer, sou Róbisson, o delegado da cidade. O senhor está um pouco atrasado.

- O prazer é todo meu, doutor. Sim, é do que me chamam. Agora, o que sabemos sobre?

- Pergunta difícil, eu sei mais do que o senhor, então o que sabemos é o que o senhor sabe, certo Cleber?

- Positivo, chefe. Disse o secretário.

Os moradores dessa cidade não gostam muito de mim, ou possuem um humor muito ativo, até mesmo em eventos mórbidos.

- Certo, o que o senhor sabe que eu não sei?

- O nome da vítima.

- Que era…?

- Um morador daqui, ué.

- Certo, mas o nome, qual era o nome da vítima?

- Pois continua sendo, saiba o senhor, é o que vai na plaquinha do túmulo, pra sempre será. Mas em qualquer caso, era Róbson.

- Ora ora, a vítima era seu xará, delegado? Disse um policial recém-chegado.

- Não, nomes diferentes no papel, veja, senhor detetive, até por aqui não sabem muito sobre o caso, como pode observar!

Toda aquela conversa bizarra estava me dando uma dor de cabeça, me distraí por um segundo e observei o policial que acabara de chegar, suas botas estavam sujas de uma terra amarelada, nada parecida com o chão das proximidades.

- Você mora muito longe, senhor…? Indaguei, a fim de conseguir um nome e uma informação valiosa. Tinha visto um programa recente de The Mentalist, no episódio, existia um agente infiltrado, talvez esse caso se resolvesse agora mesmo!

- Me chamo Róbi, senhor, e não, eu moro aqui do lado da delegacia.

Pego no flagra, Róbi! Com toda certeza estava fazendo alguma coisa bizarra e nefasta nos confins da cidade. Terminei logo aquele bate papo, nenhuma informação valiosa viria dessa delegacia. Fui no necrotério conferir o que descobriram com a situação.

- Olá! Eu sou o Detetive Atrasado, gostaria de dar uma olhada no corpo da nossa mais recente vítima. O senhor se chama…?

- Ah! Sou um grande fã do seu trabalho! Acompanho diariamente as notícias sobre suas brilhantes aventuras! Me chamo Roberto, muito prazer! Pois bem, vamos dar uma olhada no morto! O senhor gosta muito de olhar os mortos?

- Oi?

- Ah, me expressei mal. O senhor costuma achar muitas pistas em corpos? Ou geralmente acha mais pistas pelos locais? Sempre me perguntei como você conseguia desvendar tantos casos antes mesmo do trabalho dos legistas!

De fato, nunca cheguei a analisar um corpo antes, se ao menos o meu poder funcionasse, não teria que ficar sentindo esse cheiro horrível.

- Bom, de fato, nunca achei muitas pistas em um cadáver… mas os detetives fazem isso né?

- Ora, o senhor que me diga. Eu sou o cara do necrotério. Não temos detetives na cidade, sabe como é, cidade pequena, sem muita ação.

- Bom, claro que fazem! - Espero que os episódios de CSI compensem o tempo gasto na maratona ontem a noite.

- Então vamos lá. Esse aqui é a nossa vít-

Nesse momento, enquanto falava, Roberto estava descobrindo o pano da maca na nossa frente e qual não foi o espanto quando percebemos que o corpo não estava ali! Roberto gritou um grito que deixarei para sua imaginação reproduzir, embora eu também estivesse chocado, fiz uma cara de detetive, para demonstrar que já sabia da informação. Mas a verdade é que por dentro eu estava confuso. Será que o assassino tinha esquecido algo no corpo? Será que teríamos uma segunda pessoa envolvida? Será que eram crimes distintos? Minha cabeça começava a doer mais e mais, e meu poder nada de aparecer para ajudar.

Cheguei no lugar, tudo parece estranho. São dois anos já trabalhando no ramo, meu nome está começando a ficar famoso e as pessoas já estão desconfiadas de que recebo algum tipo de dica do além sobre os meus casos. Achei que nesse ponto eu já estaria entediado com a situação, praticamente todos os meus casos foram resolvidos com excelência, mas esse aqui finalmente me intrigou.

Recebi uma ligação do delegado de polícia de uma cidade pequena chamada Miribi, o caso todo era assombroso, a vítima foi deixada ao ar livre, em praça pública pendurado na estátua que homenageia um herói local de tempos remotos. O corpo, estranho ocorrido, não possuía hematomas visíveis, o que indicava um assassinato friamente calculado.

Logo busquei pensar sobre a situação, geralmente o meu poder me ajuda a desvendar o caso antes mesmo que eu chegue ao local, mas por algum motivo minhas visões não estão funcionando. Uma breve pesquisa sobre a cidade revela que é um local de estranhos eventos naturais, claro, só poderia ser o vulcão adormecido. O problema, é que eu nunca fui um detetive de verdade, do tipo que segue pistas e precisa pensar muito nos suspeitos ou na cena do crime, porque meu poder sempre fez tudo por mim.

Agora me vejo em uma cidade minúscula, sem meu poder e me sentindo uma fraude, me sentindo a deriva, não só minha reputação poderia morrer aqui, mas se eu não for rápido o suficiente, outro pobre cidadão pode não acordar amanhã.

Todas as Palavras

"Quais são as palavras que nunca são ditas"

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